Aquarelas do Brasil
1998 - Casa de Cultura Laura Alvim

Apresentação Aquarelas do Brasil
1-ENUNCIADO
Esse trabalho é sobre a hipótese de que o olhar sobre o Novo Mundo, em especial o Brasil, registrado pela iconografia viajante produziu representações povoam o imaginário coletivo na forma genérica de paisagens exóticas e paradisíacas. Tomando o conceito de O.P. analisei a genealogia da construção de uma determinada identidade cultural da brasilidade tomando o caso do Rio de janeiro como ícone da “capital da beleza”e o Brasil como “país do futuro”. Tendo como referência a teoria da comunicação discuto como o O.P. instaura uma mensagem que atravessa a história do Brasil, repercute em todo o país e articula discursos com visualidade se utilizando as modernas tecnologias de produção, reprodução e mediatização para se consolidar.
2- GÊNESE pequeno histórico da minha trajetória pessoal
Gostaria de mostrar como cheguei a formulação da hipótese desse trabalho;
Primeiramente venho de um período de pesquisador urbano onde registrei visualmente com desenhos, os ambiente e os personagens dos bairros de Catumbi e Vila Isabel durante os anos oitenta. O que resultou na minha dissertação de mestrado. O que me fez lembrar uma atuação semelhante a de um pintor viajante em pleno século XX.
A partir dos anos noventa dediquei-me a pintura com características pós impressionista sobre a paisagem carioca despida de seu ambiente urbano, registrando a partir de desenhos dos viajantes e fotos antigas um Rio de Janeiro em sua plenitude como paisagem natural.
Nessa mesma década fiz uma exposição parodiando as anotações dos viajantes usando tela e tinta acrílica ao invés de papel e aquarela, onde misturava espécimes e inventava nomenclaturas misturadas de latim e tupi cujos nomes eram inventados por mim.
Essa técnica me levou para uma outra forma de composição da paisagem carioca menos comprometida com o naturalismo, mais fluida, mais onírica.
Tais trabalhos foram muito bem recebidos pelo público que, entre outras coisas nunca me perguntou pela cidade. Ou seja, ninguém jamais perguntou porque não estavam presentes os prédios, as ruas praças avenidas e viadutos, alem da população?
Foi em busca dessa resposta que me veio a idéia desse trabalho.Ou seja, porque as pessoas tomavam os ícones naturais da paisagem natural do Rio pela própria cidade?
As primeiras respostas vieram dos cartões postais, das manchetes de jornais e revistas, folhetos de propaganda de imóveis alem de filmes e de vinhetas como a da TV Educativa novelas como Pantanal, programas da televisão como Expedições de Paula Saldanha que também serviram para estender a pergunta a todo território Brasileiro.Algumas exposições como O Brasil Redescoberto e A paisagem Carioca, ambas organizadas por Carlos Martins me trouxeram muita informação e esclarecimento sobre o assunto, sobretudo a iconografia viajante corroborou na construção de uma determinada forma de identidade brasileira, qual seja: que a primeira imagem do país é sempre a de um lugar exótico e pitoresco, um país de exuberante beleza, inesgotáveis riquezas e sempre na condição de um país a se redescoberto, uma paisagem exótica e paradisíaca como nos tempos de Cabral, como se vê estampada na manchete do segundo Caderno do Globo em 2005 com o mesmo título da exposição do paço Imperial realizada e 1999. Essa hipótese foi reforçada quando analisei os principais símbolos nacionais como o hino e a bandeira, a iconografia estampada nos selos e nas notas da nossa moeda, o Real.
Posteriormente, a leitura dos catálogos juntamente com os livros As Identidades do Brasil de José Carlos Reis, Claros e Escuros de Muniz Sodré, mais A Identidade Cultural na Pós-modernidade de Stuart Hall afora os livros de arte brasileira, me deram subsídios para um ensaio feito durante o curso onde enfatizei, sobretudo a herança pictórica dos viajantes sobre os nossos artistas, a importância dos conceitos de Humboldt, sobretudo o de fisionomia da paisagem como método de conhecimento da natureza. Mas o meu foco se dirigiu mais para uma análise comparativa entre os primeiros grandes discursos teóricos sobre o Brasil, como Vanhargen, Capistrano de Abreu, G. Freyre e Sergio Buarque de Holanda e a obra de artistas acadêmicos aos modernistas que ilustram a preocupação desses autores de definir o brasileiro típico, ou sujeito histórico do povo brasileiro naturalizado como paisagem natural e sua atualização nos dias de hoje nos meios de comunicação de massas.
Esses elementos me levaram a elaborar uma genealogia no sentido de Foucault para o que denominei de Olhar Paisagístico ao longo da nossa história, ou seja, um modo olhar o país como uma visão fantasiosa de uma paisagem edênica e paradisíaca que permite articulações discursivas as mais diversas e hegemônicas e que desencadeiam clichês identitários como País do futuro, Rio Capital de Beleza e o notório Deus é brasileiro., Por exemplo.
2.1 Iintrodução O rio como paradigma da brasilidade é mostrado na mídia sobretudo pela sua beleza natural ancorada na iconografia paisagística dos viajantes do séculos passados. Essa iconografia reciclada pelos modernos meios de comunicação se estendeu a todo país e se articula com discursos ideológicos das elites como o desenvolvimentismo de JK e mesmo o Brasil Grande dos militares de 64, Acidade maravilhosa ganhou esse nome em 1912 pela poeta Jane Catule Mendes em função da ação modernizadora de Pereira Passos visando sobretudo embelezar e sanear as áreas nobres da cidade, com isso também incrementando o surgimento das favelas que pasaram a fazer parte do cenário exótico- pitoresco da cidade. Cantada em verso e prosa chegou a ser considerada o portal da América do Sul ( pôster Vsarely)
3 GENEALOGIA como método de perceber a singularidade do fato histórico e seu ponto de surgimento, ou seja a proveniência e a emergência dos mesmos no desenrolar da história
4 LEITURA DAS IMAGENS no sentido de Panofsky, a iconologia, ou se leitura de seu sentido que é traduzido por Burke como aquela leitura que permite compreender os “princípios que regem uma nação, um período, uma persuasão religiosa ou filosófica”
5- OLHAR PAISAGÍSTICO E OLHAR ESTRANGEIRO utilizo Cardoso que discute a relação entre ver e olhar, o ver como visão contemplativa que enxerga o mundo como uma totalidade lisa versus o olhar indagador que pergunta sobre cada detalhe do que vislumbra , e Souza que analisa a questão da identidade brasileira à luz de Lacan como um mandato expedido pelo pai português que não se completa para o colonizador, senão pela fantasia que significa visão e a prevalescencia do ver como visão exótica do país .
6 IDENTIDADE sua construção incompletude em Hall: algo formado ao longo tempo, através de processos inconscientes, e não inato. Existe sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unidade Ela permanece incompleta, está sempre em processo, sempre sendo formada” Anderson diz mesmo que uma nação é uma “comunidade imaginada”è o caso da ambigüidade da construção identitária no Brasil, segundo Sodré que assume ao mesmo tempo o olhar estrangeiro para sua fauna e flora e e nativos exóticos , quanto suas elites se espelham nos modelos civilizatórios europeus.
7 SURGIMENTO HISTÓRICO DE O.P. a pintura paisagística holandesa da Reforma durante o naturalismo da renascença. A vitória do naturalismo sobre o alegorismo com a “construção dos sentidos” em função de sua aplicação no processo de expansão e conquista de novos territórios, a importância do colecionismo para a auto-identificação da Europa pelo olhar e exótico!
8 O.O E O SURGIMENTO DA CIENCIA NATURALISTA a importância da biogeografia de Humboldt na, articulação da sensibilidade do artista com a disciplina sistêmica do cientista, a ênfase na imagem como forma ideal de registro da natureza para nortear a ciência moderna que se apóia na geografia. O trânsito entre o ver e o olhar. O reconhecimento do lugar em sua totalidade através da iconografia passa a compreendê-lo como meio de comunicação estruturando sua identificação antes de passar pela estruturação do discurso verbal.Uma forma de domesticar o estranho.O olho como órgão de intuição do universo e extirpação do Outro humano.há aí uma coincidência com os primeiros relatos de Colombo e Caminha, na forma de ver o Novo Mundo.quanto das modernas formas tecnológicas de mostrar o país como em Expedições.
9 A ETNOGRAFIA DO VIAJANTES DO SÉCULO XIX com a vinda de D. João Vi houve a necessidade de conhecer e dar a ver ao mundo o Brasil, construir uma identidade própria..A influência das missões como intervenção oficial na cultura barroca . Daí surge um Brasil idealizado pelos pintores viajantes sob o método de Humboldt, ou seja, como recortes de paisagens onde natureza selvagem e os habitantes não europeus aparecem amalgamados esteticamente na iconografia. Essa visão é incorporada historicamente pelos próprios brasileiros sobretudo através das imagens em detrimento dos textos, até os dias de hoje
10 OP NAS PRIMEIRAS HISTORIOGRAFIAS NO BRASIL Destaco a obra de Debret como historiador e cronista e fundador da Escola Imperial de belas Artes além de criador dos símbolos nacionais como a bandeira, e a influência sobre a obra de Von Martius na fundação do Instituto Histórico e Geográfico normatizador de como se devia escrever a história do Brasil , concurso ganho por Vanhargem cuja obra enaltece o Brasil apenas como um feito de Portugal, assim como a defesa das teses de um país formado pelas três raças que com o tempo deveria embranquecer.
COM A REPÚBLICA nasce a necessidade de se definir um biótipo brasileiro e a fábula das três raças é substituída pela idéia de um país mestiço, o verdadeiro brasileiro, segundo Sílvio Romero. Da confluência Entre Barreto e Silvio Romero que defendiam teses anti cientificistas e evolucionistas surge Capistrano de Abreu com versão nacionalista exaltando o mameluco sertanejo do interior como o tipo brasileiro , por excelência. Na mesma trilha culturalista surge Gilberto Freyre com sua visão da cultura canavieira do litoral e elegendo como seu sujeito tipicamente brasileiro o mulato. Destaque para as imagens relativas a esses tipos e suas versões artísticas dos pintores acadêmicos.
Com a passagem do academicismo para o modernismo de 22 os artistas continuam ilustrando as teses dos teóricos quanto brasileiro típico baseados nas teorias da mestiçagem, Portinari , Di Cavalcante, Guignard e outros, por exemplo. Suas imagens servem de modelos para outras formas de representação mais populares , chegando as mass-midia de hoje através de personagens estereotipados.
O.P. ATUALIZADO PARA O CENÁRIO SÓCIOCULTURAL ATUAL com a propagação e popularização das imagens essas perdem a relação com seus contextos iniciais e passam a ser lidas apenas como ícones da brasilidade ou “mitos de origem” ou Narrativas da Nação”( Bhabha).
Exemplos do outdoor da prefeitura e da festa do Parque lage, são interpretadas como cenários paisagísticos pitorescos pelos passantes
O.P. E AS REPRESENTAÇÕES NA VIRADA DO MILÊNIO. A moderna publicidade se utilizando da fotografia joga com o olhar exótico representa o Rio como uma porção de mar aberto dando a ver a cidade como pura natureza contando que o futuro comprador compartilhe com a idéia de que ele vá melhorar de vida e de status por estar inserido naquilo que a cidade tem como clichê identitário: sua beleza natural Exemplo análogo com o anúncio de casas em Itaipava. Ou seja, são produções dentro do conceito de tecnocultura de Sodré que opera com valores do senso comum para produzir subjetividade ( desejo para o objeto imaginário)
Assim como os anúncios imobiliários há também o artifício de transformar os “brasileiros típicos “ tratados como paisagem em elementos de anúncios como é o caso do mestiço de Portinari em modelo para vender perfume.. O índio na figura de Iracema, pintada por Parreiras recicladas em carões postais eróticos o negro no clichê de. O preto velho de um lado como símbolo de brasilidade pobre mas espiritualizada. De outro, como celebridades do atletismo, como O rei Pelé e agora Diane dos Santos, sempre tratada como gauchinha embranquecê-la num esporte consensualmente tido como espaço para brancos.
CONCLUSÃO
o O.P.. traduz também em alguns símbolos nacionais tais como o Hino , exemplarmente ilustrado por Pedro Américo como o país foi imaginado : o belo entre o calmo e o violento o país que se constrói no entrechoque do pitoresco e do sublime. Ou seja o Heróico Brado entre as margens plácidas do riacho Ypiranga e o céu de raios fugidos.Um país que se pressupõe harmonioso e outro que quer esconder. O insólito, sublime e abominável da identidade brasileira transparece na mídia como se vê na capa do Jornal do Brasil,
os mesmos jornais que estampam a face hedionda do país da criminalidade e das drogas em suas manchetes, publicam em seus suplementos matéria com pesquisa de opinião de turistas para amenizar esse clima. É o caso de “o Olhar estrangeiro” que remete para o processo da construção de nossa identidade cultural. Segundo a matéria os turistas não se sentem ameaçados de visitarem a cidade, tendo em vista sua beleza natural., apesar do esforço das agência de turismo para aconselhá-los sobre certos procedimentos: andar em grupo, evitar lugares escuros, etc
Iniciativas governamentais visam revitalizar a cidade criando áreas temáticas criando ilhas cenográficas como a Lapa, o Cais do Porto tendo a Disneylândia como paradigma, na mesma trilha de Pereira passos, negligenciando políticas públicas mais abrangentes como um plano habitacional, de transportes, por exemplo.
O O. P. se faz presente ainda muito fortemente como fabulação da paisagem exótica tropical que nem a neblina que cobriu o Pão de Açúcar foi capaz de afastar os turistas de visitá-lo. Isso foi noticiado na primeira página do Jornal do Brasil de 13 de janeiro de2005.
Artistas plásticos como Carlos Augusto e Mario Zavagli continuam a pintar o nosso território tal como fizeram os viajantes exercendo plenamente o O. P. nos dias de hoje.
Da mesma forma o país continua dado a ver ou imaginado coletivamente tal como noticia
O Segundo Caderno do Globo: um país –paisagem em contínuo processo de redescoberta no sentido primeiro de seu mito fundacional , ou seja Como se fosse no tempo de Cabral.
Mollica
























